Meridianos & Paralelos
Um blog de notícias alinhavadas quase sempre à margem das notícias alinhadas
quinta-feira, julho 29, 2004
«... NOBRE POVO...»
Ás 18 horas este ainda era um lugar mínimamente seguro com um vista para um mar de chamas. Em poucos segundos, o fogo desce a íngreme encosta de Salir, torna a belíssima e pacata povoação de Barranco do Velho que recordo como um pequeno paraíso ecológico aninhado na serra, galga os poucos quilómetros que faltavam e chega ao casario da Cova da Muda engolindo tudo numa voragem indescritível. Os gritos tornam-se lancinantes. É preciso evacuar o local já. Entre tosses e correrias, olho para trás. Um derradeiro olhar sobre o verde que o fumo já encobre e em segundos as chamas queimarão sem dó nem piedade. Apesar disso alguns homens mais teimosos continuam a acreditar que podem travar a fúria das chamas só com uma pequena mangueira de rega e resistem diante do braseiro que avança. As faúlhas chovem vindas de todas as direcções, empurradas pelo estranho sopro do fogo. E parece que é sempre assim: quando o fogo se aproxima traz com ele um forte temporal, um vento ardido muito forte, como um abraço mortal a avisar da sua chegada. Há estrondos por todos os lados, gente amparada nas bermas vacilando do pânico à apatia. Os poucos bens que as pessoas conseguiram retirar das casas amontoam-se por todos os cantos. O barulho das hélices do helicópteros é ensurdecedor. Toda a água parece pouca. Cortelha também arde e de Alportel retiram-se as últimas pessoas, agora que já uma casa ficou reduzida a cinzas. Há que correr, correr, correr, porque já nenhum lugar é seguro. Um susto!! Um grande susto. O incêndio abre atrás de si um rasto de 60 km devastados e vem prometer ao crepúsculo uma força revigorada para prosseguir caminho noite dentro. Quando escurecer os poucos meios aéreos vão ter que pousar e o combate far-se-á num corpo a corpo no terreno, como aliás acontece há cinco dias e quatro noites.